Sou brasileiro e obtive cidadania de outro país: o que acontece?



Você sabia que o brasileiro que adquire outra nacionalidade (ex: de países da União Europeia ou dos Estados Unidos) pode vir a perder sua condição jurídica de brasileiro? Entenda agora os contornos jurídicos desse tema. 


Nacionalidade: o que é isso?

Tradicionalmente a nacionalidade é considerada o vínculo jurídico entre uma pessoa natural e um determinado estado soberano, o qual habilita essa pessoa ao exercício de direitos políticos básicos. A Nacionalidade é adquirida de acordo com a Constituição e as leis de cada país e, a depender de cada caso, pode ser acumulada com outras. Daí se dizer que uma pessoa é nacional ou cidadã de um dado país.

Formas de aquisição da nacionalidade

Há duas grandes formas pelas quais uma pessoa se torna nacional (=cidadão) de um país: a) pelo nascimento ou b) por sua própria escolha livre e voluntária. 

Usualmente, no primeiro caso temos a chamada "aquisição originária" (acompanha a pessoa desde o momento em que ela nasceu) e no segundo caso, a nacionalidade é obtida de forma "derivada" (porque decorre da manifestação feita pelo indivíduo, de acordo com a legislação do respectivo país).

Por tais motivos é que nos referimos à aquisição originária como "reconhecimento" e à derivada como "naturalização". No reconhecimento a pessoa sempre foi cidadã daquele país, a despeito de não ter tal direito expressamente reconhecido. Na naturalização, ela somente se torna cidadã a partir da solicitação, cumpridos os pressupostos definidos pela legislação (casamento com nacional, residência, etc.).

A seguir analisamos algumas questões que surgem corriqueiramente sobre o tema.

Filho de brasileiro que nasce no exterior é brasileiro?

Justamente por ser tão essencial à identidade de uma nação, a matéria "cidadania" é tratada pela Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 12. Daí termos a aplicação dos dois grandes critérios de aquisição de cidadania: o jus solis e o jus sanguinis.

De acordo com o critério de jus solis, é cidadão do país a pessoa que nascer em seu território. Este padrão é estabelecido no art. 12, I, "a" da Constituição Brasileira, com os seguintes contornos: "Art. 12. São brasileiros: I - natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país".

Já conforme o jus sanguinis, serão cidadãos os descendentes dos cidadãos. Tal critério se faz presente nas alíneas "b" e "c" do mesmo artigo 12, I, acima citado:

"Art. 12. São brasileiros: I - natos:

b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira;

Então, em regra qualquer pessoa nascida no Brasil se torna cidadão brasileiro (com a ressalva do estrangeiro que esteja a serviço de seu país, como ocorre com os membros da carreira diplomática). Da mesma forma, filhos de brasileiros nascidos no exterior também são cidadãos brasileiros.    

O brasileiro pode ter mais de uma nacionalidade?

Sim, pode, mas é preciso cuidado ao analisar o tema.

O brasileiro que tem uma outra nacionalidade reconhecida em razão de seus antepassados pode acumular a cidadania brasileira com outras, bastando que elas sejam todas originárias. 

Assim, os nacionais brasileiros que obtém, por exemplo, cidadania portuguesa ou italiana em razão de seus ancestrais poderá ter múltiplas nacionalidades ao mesmo tempo. 

O brasileiro pode perder a nacionalidade ao obter cidadania estrangeira por naturalização?

A resposta é sim!

Os casos de naturalização são tratados de forma completamente diferente pela Constituição, quando comparados com o de reconhecimento de cidadania originária! Vejamos:

Art. 12 (...) § 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que: (...)

II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos:  

a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira;

b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis;

Logo, a regra para o caso de brasileiro que obtém outra cidadania por naturalização é a perda da nacionalidade brasileira. Essa regra comporta somente duas exceções, a saber:

1) quando haja imposição de naturalização como condição para permanência no território daquele país, ou,

2) quando o exercício de "direitos civis" somente possa ocorrer após a naturalização.

"Direitos Civis" aqui consiste numa clara referência à expressão "Civil Rights", que por sua vez remete aos Direitos Fundamentais das pessoas. Assim, se um estado estrangeiro impuser que os estrangeiros somente terão acesso a serviços públicos básicos (como educação e trabalho), mediante naturalização, estará presente a justificativa. 


A partir de quando a perda de nacionalidade gera efeitos?

Caso ocorra a naturalização sem o preenchimento de uma das exceções acima, já está presente o fato gerador da perda de nacionalidade brasileira. Porém, entre o fato de se naturalizar e o Brasil efetivamente aplicar a perda de nacionalidade pode decorrer um prazo longo. Isso ocorre porque depende da existência ou não de comunicação da naturalização ao governo brasileiro. Caso não exista essa comunicação, em regra o Estado Brasileiro não terá meios de saber oficialmente se um de seus cidadãos se naturalizou com outra cidadania.

Segundo o artigo 250 do Decreto 9.199/2017, a declaração da perda da nacionalidade brasileira ocorrerá mediante ato do Ministro de Estado da Justiça. Apesar de não existir limitação legal quanto ao prazo, entendemos que deve incidir a limitação de cinco anos para o início do processo de declaração de perda da nacionalidade, por uma questão de segurança jurídica. 

Porém, é necessário que, antes, haja a instauração de procedimento administrativo com garantia de contraditório e ampla defesa. Tal procedimento será instaurado no âmbito da Secretaria Nacional de Justiça, órgão do Ministério, nos termos dos artigos 26 e 27 da Portaria Interministerial nº11/2018

Isso significa que o naturalizado precisa ser notificado antes do ato e a ele deve ser garantido o direito de produzir provas no sentido de demonstrar a ocorrência de uma das exceções constitucionais antes descritas. 


É possível readquirir a nacionalidade brasileira?

Sim, a legislação permite readquirir a nacionalidade. 

Para o caso que estamos tratando, porém, é necessário que a causa da perda tenha deixado de existir, conforme artigo 254, § 2º do Decreto 9.199/2017. Dito de outra forma: é necessário renunciar à nacionalidade "nova" para poder voltar a ser brasileiro.


Perdi a nacionalidade brasileira! O que acontece agora?

Há algumas consequências que podem ser sérias ou leves a depender de cada indivíduo e seus projetos de vida. A principal premissa aqui é que o cidadão brasileiro que perde essa condição por ter se naturalizado passa, após o ato do Ministro da Justiça, a ser reconhecido como um estrangeiro para todos os efeitos de Direito Brasileiro.

Por isso, as seguintes consequências são aplicáveis:

- Passa a ser possível sua extradição por crimes cometidos em outro país;

- Não mais poderá votar nas eleições gerais e nem pode ser candidatar a cargo eletivo;

- Não poderá tomar posse em cargo público, salvo no caso de pesquisador em instituições federais

- Não se sujeitar ao serviço militar obrigatório

- Sua estadia em território brasileiro fica sujeita a visto e respectivos prazos fixados no momento da entrada em território nacional, ou ainda a requerimento de residência permanente

Se o brasileiro que obtém nova cidadania por naturalização já for servidor público, é possível que ele perca o cargo após o reconhecimento da perda de nacionalidade brasileira, já que uma das condições essenciais do cargo (ser brasileiro) deixou de existir. Por isso, sobretudo aqueles servidores públicos com cargos vitalícios devem se informar e refletir sobre os riscos que podem correr ao pleitear uma nacionalidade estrangeira em razão do casamento, fato muito comum.


Conclusões

Por tais razões, entre outras, é preciso tomar cuidado para que o sonho de uma cidadania global não se converta em pesadelo em terras brasileiras. Consultar um advogado especialista previamente é extremamente recomendável e pode poupar substanciais desgastes emocionais e financeiros no futuro. 


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