Antecedentes do Controle de Constitucionalidade: Dr. Bonham's Case.

A idéia de controle de validade dos atos do Poder Público pelo Judiciário é extremamente consolidada nos sistemas jurídicos ocidentais. Parte ela da idéia de que existe um fundamento último de validade de tais atos (que, no nosso caso, é a Constituição) que, se contrariado de qualquer forma, leva à sua invalidade.

Um dos precedentes mais relevantes sobre o controle de constitucionalidade (conhecido por americanos e britânicos como judicial review) é o chamado Dr. Bonham's Case, nem tanto pelo resultado final, mas pela doutrina desenvolvida pelo Sir Edward Coke (a figura aí ao lado) em seu voto vencido.

Tudo começou quando um médico chamado Thomas Bonham foi flagrado praticando medicina em Londres, no ano de 1606, apesar de ter se formado em Cambridge, o que demandava uma prévia licença a ser emitida pelo
London College of Physicians (algo como o Conselho Regional de Medicina Londrino).

Submetido a uma prova pelo Conselho Londrino, ele não foi aprovado, mas permaneceu exercendo a medicina na capital inglesa (pois entendia inexistir competência do Conselho de Londres para fiscalizar um formado de Cambridge), o que motivou a sua prisão pelos próprios membros do Conselho.

Bonham resolveu alegar a invalidade de sua prisão à Court of Common Pleas, órgão do qual Coke fazia parte. O Conselho alegou que lei aprovada pelo Parlamento, ao autorizar a criação do Conselho, também lhe delegava a regular todos os médicos de Londres, assim como a punir os profissionais não licenciados pelo Conselho. A mesma lei estabelecia que metade de todas as multas aplicadas pelo Conselho reverteriam a ele mesmo.

Este último detalhe acabou sendo o ponto central do histórico voto do Lord Coke, pois ao estabelecer que o Conselho receberia parte das multas, ele seria ao mesmo tempo parte interessada e juiz da questão, pois caberia ao Conselho determinar quem estava e quem não estava em estado infracional.

Disse Coke, em seu voto: "...quando um ato do Parlamento é contrário ao que é comumente tido como certo e razoável, ou é repugnante ou é impossível de ser executado, a common law limitará tal ato, atribuindo a ele a qualificação de nulo".

Coke foi vencido na Corte, o que já demonstrava o contexto de fortalecimento do Parlamento sobre as Cortes de Justiça, que acabou consolidando sua força política com a Revolução Gloriosa de 1688 (78 anos depois do julgamento do Bonham's Case).

A importância de tal voto para o desenvolvimento do controle de constitucionalidade consiste no fato de que nele se pretende uma primeira limitação à validade das leis aprovadas pelo Legislador. Este condicionante invocado por Coke seria a common law. Anos depois, cederia ela lugar à própria Constituição como condicionante de validade da legislação.

Maiores detalhes sobre o caso podem ser encontrados aqui e aqui. Aqui você lê a íntegra do voto de Lord Coke.

Editando:
Mais material extra, com o artigo de Raphael Peixoto de Paula Marques.

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