ADPF e suspeição

Destaco notícia do sítio de Internet Consultor Jurídico, intitulada "Eros Grau poderá julgar monopólio do Correios".

O caso envolve alegação do Sindicato Nacional das Empresas de Encomendas Expressas, autor da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 70, na qual se sustenta a não-recepção, pela Constituição, do monopólio postal da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT).

A situação concreta: o Ministro Eros Grau, antes de ingressar na Corte, emitira parecer sobre a mesma questão em favor dos Correios.

A Arguição de suspeição, porém, foi negada por despacho do Ministro Presidente, Gilmar Mendes, sob o argumento de que por se tratar de processo objetivo, seria inaplicável à ADPF (assim como ocorre com a ADIn e a ADC) a idéia de "suspeição", que seria típica de processos de índole subjetiva. 

O STF vem aplicando tal premissa em casos como tais, abrindo exceção somente para os casos em que algum Ministro da Corte já tenha atuado na própria ação de controle objetivo a ser julgada, na condição de Procurador Geral da República (caso do aposentado Ministro Sepúlveda Pertence) ou de Advogado Geral da União (caso do Ministro Gilmar Mendes).

Comentários

Prezado Professor Cláudio,

O Sr. vê a impossibilidade de suspeição em processo objetivo, como referido pelo Ministro Gilmar Mendes, ou haverá uma outra saída neste caso?
Amigo Rogério, tudo bem?

Ao que me parece não se aplica a idéia de suspeição nos processos de controle abstrato de constitucionalidade, como regra. Se fosse o caso, imagine a confusão que poderia ser causada com o ajuizamento de uma ADIn contra lei que aumenta o imposto de renda pessoa física. Em tese, todos os Ministros seriam suspeitos. E aí, não teria controle abstrato?

Creio que no caso concreto há a necessidade de um esclarecimento: o parecer do Eros Grau foi dado antes ou depois do ajuizamento da ADPF 70?

Se o parecer foi dado após o ajuizamento da ação e sobre aquela matéria específica, penso que trata-se de caso em que seria razoável a sua declaração como suspeito, pois o STF estaria seguindo a mesma linha formada quando dos casos de Pertence e Mendes (prévia manifestação sobre o assunto específico, nos autos).

Porém, se o parecer foi dado anteriormente ao ajuizamento da ação, penso que não é caso para suspeição, visto que o próprio Ministro pode mudar sua posição.

E antes que alguém me diga que isso não é comum, lembro do caso do Ministro Joaquim Barbosa que, quando era Procurador Regional da República, emitiu parecer substancioso acerca da inconstitucionalidade da majoração da base de cálculo da COFINS (Lei 9.718/99). Quando a questão chegou no STF (novembro de 2005) e ele já era Ministro, simplesmente votou com o governo (sem dar qualquer explicação...).

Mas isso tudo são perquirições, afinal de contas, o processo objetivo do STF vem sendo regido pela chamada "autocriação", ou seja, situação em que "...certa autoridade estatal estabelece normas e padrões que ela mesma deve seguir”. (DIMOULIS, Dimitri e LUNARDI, Soraya Gasparetto. Dimensões do processo objetivo. Autocriação e hetero-referência como meios de configuração do processo constitucional nas duas décadas da Constituição Federal de 1988. AGRA, Walber de Moura (coord.). Retrospectiva dos 20 anos da Constituição Federal. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 145).

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